"Tudo em cima?" era o pergunta que passava pelas cabeças da tripulação que se preparava para ir de Ubatuba até a Ilha Grande. À bordo quatro pessoas: eu, Cecília, Omar e Renato.
Combinamos a saída de Ubatuba no sábado de manhã mas, como sempre acontece nestes passeios, uma série de pequenos detalhes não nos permitiu partir antes das 5 da tarde. O local de partida foi o Saco da Ribeira, onde o barco fica ancorado normalmente. Saímos a motor, mas logo içamos as velas com a entrada de um vento Nordeste de uns 12 nós. É realmente bom quando se desliga o motor, trocando a vibração e a fumaça pelo agradável som do barco cortando a água.
Nosso veleiro tem 24 pés (7.2 metros). É um veleiro de oceano pequeno, mas bastante ágil. O motorzinho de popa de 4 HP serve apenas para manobras de ancoragem ou pequenos percursos com mar calmo. Quando não há vento, o jeito é esperar pacientemente. Para isso, contamos com um bom suprimento de cerveja, chocolate, frutas e outras guloseimas. Um pequeno fogareiro a gás de uma boca permite o preparo de pratos simples como macarrão e sopas de saquinho. Alimentos quentes são sempre benvindos no mar.
O dia está encoberto, mas bastante claro. O mar ainda conserva parte da agitação causada pela passagem de uma frente fria uns poucos dias atrás. De longe podemos ver o movimento das pessoas em férias na praia Grande. Parece um formigueiro. Por volta das 8 da noite passamos pela Ilha das Couves, próxima a praia de Picinguaba. Nossa idéia inicial era fundear na ilha para passar a noite, mas o vento constante, a claridade da lua cheia e a disposição da tripulação nos fazem seguir em frente.
Às 23 horas passamos pela Ponta Negra, próxima a Trindade e Laranjeiras, já no Estado do Rio de Janeiro. Metade da tripulação já foi dormir. O vento vai diminuindo gradualmente até parar completamente por volta da meia noite. Decidimos então entrar na praia do Sono para dormir, tarefa não muito fácil pois estávamos a uns 7 kilometros da costa e as ondas dificultavam a tarefa do "possante" (codinome do motorzinho). Todos estão meio mareados a bordo. Ao contrário do que se pensa, o enjoo em veleiros é mais comum em situações de pouco vento do que de muito. Ancoramos por volta das 3 da manhã. A lua a esta hora já ia se pondo e, com o céu encoberto, não se via muita coisa. Somente de manhã, após um sono bastante balançante pudemos ver a bela praia do Sono. É um lugar bastante isolado, apesar da proximidade do loteamento das Laranjeiras. A população local é de caiçaras, não havendo aparentemente nenhuma casa de veraneio. Na praia um grande número de Urubus descansam, não dando muita bola para quem passa nem para os borrachudos.
Por volta das 11 horas zarpamos a motor. Não há vento, o barco joga muito e ainda por cima chove. Na nossa frente, as Pontas Negra e da Joatinga. Neste local o mar é normalmente é bastante agitado devido às ondas que batem nos paredões de pedra e retornam, chocando-se com outras ondas. É um trecho de uns 10 km totalmente formado de costões de pedra sem nenhum abrigo. Sem dúvida o pior trecho do caminho, particularmente se não tiver vento. Felizmente um vento Noroeste de uns 15 nós entra após uma hora, fazendo o barco se mover rapidamente.
Passamos a Ponta da Joatinga e entramos na Baia da Ilha Grande. O mar muda radicalmente , tornando-se muito mais tranquilo. A Baia da Ilha Grande se estende desde a Ponta da Juatinga até a restinga de Marambaia, perto da Barra da Tijuca. Dentro dela estão as Cidades de Parati, Angra dos Reis e Mangaratiba. A Ilha Grande se destaca nesta paisagem formada por incontáveis ilhas de todos os tamanhos e enseadas de águas calmas. Velejamos por toda a tarde. O vento está fraco, mas o mar da Ilha Grande é tão liso que não é necessário muito vento para mover nosso barco. Às 21 horas, ainda com alguma claridade, ancoramos na enseada do Sítio Forte na Ilha Grande. Encontramos ali tantos veleiros ancorados que parecia até um Iate Clube. Após dois dias de balanço, experimentamos uma curiosa sensação de tranquilidade naquelas águas calmas. Hora da Bóia. Com o barco em águas tranquilas pudemos preparar uma refeição mais elaborada e com mais "sustança" do que no dia anterior.
Após uma noite de sono tranquilo e um mergulho matinal para acordar, partimos vagarosamente observando as belas casas da enseada. O sol aparece pela primeira vez no passeio, ainda que meio escondido no meio das nuvens. Uma frente fria estacionária paira na região há vários dias. Até que o tempo encoberto é bom para velejar pois o sol de janeiro é um tanto desagradável após algum tempo. O vento Leste entra às 11 horas com uns 15 nós. Velejamos em zigue-zague, contra o vento, ao lado dos petroleiros ancorados no terminal da Petrobrás. É impressionante o tamanho destes monstros, particularmente quando vistos de baixo. Por volta das 3 da tarde chegamos na enseada do Abraão, na norte da Ilha Grande. Alí se localiza a maior vila da ilha. O local é servido por barcos de passageiros que vem de Angra e Mangaratiba. A vila estava toda decorada com bandeirolas de papel. Encostamos o barco no pier. Pergunto a um cidadão local se tem alguma festa na cidade.
--- "Festa de São Sebastião" diz ele. "O padroeiro da Ilha Grande e da cidade do Rio de Janeiro".
--- "Cheio de serviço este santo" comento.
--- "É...", responde ele sorrindo.
A vila já estava cheia de gente quando chegou uma balsa carregada. Preparamos nossas coisas para tomar um banho no "bicão", uma cachoeira que na parte de traz da vila. Nada como um banho para animar a galera. A água é fria, mas o calor do sol compensa. Todo mundo cheiroso, almoçamos um PF e fomos ver a festa. A enseada do Abraão é cercada por morros bastante altos. A vila está muito diferente do que a quatro anos atrás, quando estive lá. Muitas construções novas, principalmente voltadas para o turismo (bares, pousadas, etc). A infraestrutura está um pouco sobrecarregada, com deficiências na coleta de lixo e mal cheiro no rio. Mas o lugar ainda conserva o seu encanto e a festa é bastante animada com música ao vivo nos bares da praia. Às 7 da noite passou a procissão de São Sebastião, seguindo até a igreja onde foi celebrada a missa. A banda militar deu uma canja que, infelizmente, nós perdemos. Mais tarde, um final apoteótico com fogos de artifício na praia. Realmente foi uma agradável surpresa para nós aquela festa. Fomos dormir em um canto tranquilo da enseada, ao som da música que rolou na praia até de madrugada.
No dia seguinte içamos as velas cedo e saímos em direção ao Saco do Céu, enquanto rolava o café da manhã a bordo. O Saco do Céu e uma enseada pequena e fechada com uma entrada estreita. Dentro dele, tem-se a impressão de estar passeando em um pequeno lago, pois um braço de terra esconde a saída para o mar. É um lugar lindo. Várias vezes, quando longe daqui, me peguei sonhando com esse lugar. Vir aqui para mim é como uma peregrinação a um lugar sagrado: reabastece o espírito. Pena que um cara (dizem que é um bicheiro do Rio) cavou um enorme buraco para construir um casarão bem na boca do Saco do Céu, desfigurando a paisagem. A prefeitura de Angra deveria zelar mais por essa ilha maravilhosa. Mas não se pode mesmo esperar grande coisa deste pessoal.
Ficamos passeando no lago calmo com vento fraco, deslumbrados com a beleza do lugar. Derrepente um som diferente: "Truummm". O barco havia batido em alguma coisa no fundo. Ancoramos e mergulhamos para ver se havia algum dano grave. Felizmente, apenas o fundo da quilha de chumbo do barco havia raspado em uma pedra. "Já gastamos nossa quota de rabo de hoje", disse Renato. Isso nos ensinou uma lição: Na Baia da Ilha Grande é necessário estar com um olho no mar e outro na carta náutica. O número de pedras a flor d'água nesta região é enorme, como pude constatar nas cartas, após o incidente. Seguimos então para Angra, com vento de popa e vela balão, completando esse passeio de 4 dias. Altamente recomendado.