Brasil
3D e a Bienal do Livro
As aventuras e desventuras
de 3 editores amadores |
O livro
Há muito tempo é sabido que os olhos humanos
usam as pequenas diferenças entre as imagens captadas
pelos dois olhos para criar a ilusão da terceira dimensão
a partir das imagens planas dos olhos. O conceito dos estereopares
é conhecido desde o final do século XIX, logo
após a invenção da fotografia. Nos estereopares,
duas fotos da mesma cena tiradas de ângulos ligeiramente
diferentes produzem uma impressão de profundidade.
Nos estereogramas, padrões repetidos lateralemente
contém "escondido" um objeto em terceira
dimensão. Ao contrário de outras técnicas
de reprodução de imagens tridimensionais, os
estereogramas podiam ser visualizados sem o auxílio
de óculos especiais. A visualização do
objeto em 3D requer algum treino, mas dominado o processo
de visualização, o resultado é surpreendente.
O conceito dos estereogramas havia sido sugerido há
bastante tempo, mas sua produção só se
tornou possível com o uso do computador, pois o volume
de cálculos é enorme.
Por volta de 1994, a empresa americana N.E.
Thing lançou no mercado vários livros da
série Magic Eye de estereogramas. Estes estereogramas
chamaram imediatamente minha atenção. Desde
pequeno sempre gostei de entender o funcionamento das coisas
e aquilo era, inicialmente, algo misterioso que escapava a
minha compreensâo. Além disso as imagens eram
produzidas por programas de computador, a minha especialidade.
Comprei vários livros de estereogramas e comecei a
fazer a engenharia reversa para entender como os estereogramas
interagiam com a visão humana para criar a ilusão
do volume. Comecei com diagramas e logo passei a programação.
Já na primeira semana, finalizei a versão inicial
do programa e produzí os primeiros estereogramas rudimentares.
Após um mes, o programa estava refinado e eu era capaz
de produzir estereogramas de alta resolução,
com a mesma qualidade dos americanos. Na época (1994),
usávamos um computador 486 de 33 MHz e a produção
de um estereograma de alta definição levava
umas 12 horas.
Mostrei o resultado desse trabalho a dois amigos, que imediatamente
demonstraram interesse em usá-lo para produção
de um livro. Afinal os estereogramas eram um grande sucesso
editorial: só no Brasil, as informações
eram de que os livros de estereogramas haviam vendido mais
de 600.000 cópias (em número enorme para um
livro no Brasil). Decidimos fazer uma sociedade para a produção
do livro.
As nossas estimativas de venda - subjetivas e sem base
em dados concretos - eram mirabolantes. Tínhamos
a noção de que os estereogramas eram uma
espécie de febre, que podia terminar a qualquer
momento. Por isso passamos imediatamente à ação,
obtendo materiais para a criação das imagens.
Não havia tempo a perder. A matéria prima
das imagens eram fotos - para criação
dos padrões - e modelos tridimensionais criados
no programa Topaz.
Embora nenhum de nós tivesse experiência
no mercado editorial, conhecíamos o processo
de criação, manipulação
de imagens e produção gráfica.
Para diferenciar nosso livro de outros títulos
estrangeiros (basicamente americanos e alemães)
optamos por criar um livro com temas brasileiros, onde
o leitor pudesse se identificar e ficar orgulhoso de
ser brasileiro. É preciso que se diga que isso
tudo ocorreu logo após o lançamento do
Plano Real, época de muita esperança e
orgulho nacional. Nós estávamos claramente
embuídos deste espírito. Mas, como dizia
Roberto Campos, qualquer um que tem esperança
no futuro do Brasil está claramente mal informado.
Após alguns meses de trabalho, o livro ficou
pronto com mais de 30 imagens, textos explicativos e
até um "faça você mesmo".
A edição ficou primorosa, com qualidade
bem superior à de outros títulos existentes.
Era tal o nosso estado de excitação, que
cometemos o primeiro exagero: a quantidade. A primeira
edição saiu com 20.000 exemplares. |
harge a partir de foto da capa da revista
Veja.
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O próximo passo era vender os livros, atividade na
qual tínhamos zero de experiência.
Para vender uma edição deste tamanho, era necessário
que fosse montado um esquema razoável de distribuição.
Surgiu uma idéia: lançar o livro na Bienal do
Livro do Rio de Janeiro, um importante evento do mercado editorial
que acontece no RioCentro, e do qual todas as grandes editoras
e livrarias participam. Venderíamos boa parte dos livros
diretamente aos consumidores e faríamos contato com
livrarias e editoras para continuar as vendas após
o evento. Alí seria o local certo para esses contatos.
E assim foi feito. Compramos um estande de tamanho médio
na feira, bem localizado. Preparamos materiais promocionais,
como banners, posters, armários para os livros, camisetas
etc. Contratamos algumas garotas para o atendimento ao público.
Nesta altura, o volume de gastos com o livro já era
algo alarmante, mas estávamos todos otimistas. Se a
edição saisse, o lucro seria certo.
A Bienal
A Bienal do Livro é um mega-evento que dura 9 dias,
incluindo dois fins de semana. Vêm compradores de livrarias
de todas as partes do país, além de um número
grande de visitantes. Durante os dias úteis da semana,
é grande o afluxo de crianças, trazidas por
escolas de todas as partes do Rio de Janeiro. Nas noites e
nos finais de semana o público lota o local.
A Bienal de 1995 foi no RioCentro, em Jacarepaguá.
Alugamos um flat relativamente próximo, na Barra da
Tijuca, para a estadia da galera (somos todos de Sâo
Paulo). De manhã relaxávamos um pouco na praia
e à tarde íamos para o RioCentro, para a feira.
Nosso dia de trabalho terminava por volta da meia noite, quando
em geral saíamos para "bater um rango" e
tomar uns chopinhos na Barra.
É um evento bem interessante. Alí se encontra
uma diversidade de livros que normalmente não são
vistos nas livrarias comuns. Tem livros técnicos, ficção,
romances, artes, esoterismo, infantis, muita literatura espiritual.
Na época já haviam alguns títulos de
software. Foi no início de operação da
Internet no Brasil (fora das Universidades). Fui àquela
bienal todos os dias durante uma semana e não me cansei
de andar pelos seus corredores. Cada canto tem um livro e
cada livro pode revelar um universo totalmente novo. É
uma festa da cultura, na sua expressâo mais tradicional
mas que mantém o seu charme: o livro. Ví muitas
pessoas ilustres nessa bienal: autores de livros que vinham
para noites de autógrafos, como o presidente do Banco
Central Gustavo Franco (o defensor da âncora cambial
do Real), a senadora Benedita da Silva e muitos artistas globais.
Logo percebemos que nosso business estava complicado.
A febre dos estereogramas dava sinais de fraqueza. Embora
nosso livro estivesse saindo bem, sendo um dos mais vendidos
da Bienal, juntamente com o livro do pessoal da Casseta e
Planeta, outros títulos de estereogramas estávam
entrando em liquidação. Livros que chegaram
a custar R$25 ou $30 agora eram vendidos por apenas R$5, ou
em promoções do tipo leve-3-pague-2. Boa parte
das pessoas já tinha visto livros de estereogramas
e a compra por impulso já não acontecia com
tanta freqüência.
Vários compradores de livrarias que contactamos na
feira nos disseram a mesma coisa: as vendas dos livros de
estereogramas estavam em queda vertiginosa. Nosso timing tinha
sido totalmente errado.
Achamos por bem baixar o preço do nosso livro de R$25
para R$15, o que alavancou sensivelmente as vendas. Uma coisa
ficou clara logo nos primeiros dias: nenhum de nós
tinha a menor experiência em vendas (embora um trabalhasse
na área de propaganda). E o ambiente de competição
durante a feira era grande.
Mas isso não nos fez esmorecer. Nossa equipe passou
a promover sessôes de aprendizado de visualização
de estereogramas no estande, principalmerte para crianças
que vinham com suas classes da escola. Todos os baixinhos
e baixinhas sentavam no chão, onde recebiam uma imagem
cada um. Em meio a algazarra típica da criançada,
a nossa instrutora tentava aos berros dar algumas dicas de
visualização. Logo várias crianças
mostravam um misto de espanto e alegria de conseguir ver as
imagens em 3D. Era uma gritaria geral. É claro que
as crianças, a maioria de colégios do estado,
pouco compravam, mas o movimento no estande da Imágica
era intenso e muito legal.
Além disso estabelecemos algumas parcerias e colocamos
o livro à venda em outros pontos de livrarias na feira.
Ao final do segundo dia de Bienal, o livro estava a venda
em todos os cantos. Chegamos até a fechar negócio
com uma grande distribuidora de livros, para vender o livro
em todo o Brasil. Mas a esta altura estava claro que seria
difícil vender toda a edição, pois a
onda dos estereogramas já havia passado de maneira
fulminante.
Nicanor e o professor
Carvalhosa
Como eu nâo tinha muitas responsabilidades durante
a feira, passei a fazer desenhos para ilustrar o estande.
Criei dois personagens, o professor Carvalhosa e seu
assistente Nicanor, que passaram a fazer a crônica
do nosso dia-a-dia como editores de livros. O professor
era o dono da editora Imágica e Nicanor o seu
faz-tudo.
Os desenhos expressavam nossa dificuldade em escoar
nossa edição, mas também a alegria
das happy hours após o término
da feira, pelos bares da barra da Tijuca. No fim, Nicanor
e o professor passaram a fazer parte do nosso cotidiano,
ajudando a quebrar o gelo das sombrias perspectivas
econômicas. Serviram de inspiração
para a nossa equipe, acho.
nota: Depois vim a saber que de fato existia um prof. Carvalhosa, e que é um jurista muito conhecido. Mas o nome do personagem não foi inspirado nele (foi mera coincidencia).
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Nicanor |
De início Nicanor tentou achar alternativas para venda
de livros.
Mas logo veio a crise econômica, pois
a concorrência estava jogando pesado, e o produto estava
em baixa. Procuramos apelar para o patriotismo dos leitores,
informando que nosso produto era feito com tecnologia e temas
genuinamente brasileiros. Mas foi tudo em vâo.
É preciso abrir um parênteses especial
para a nossa equipe de promotoras de vendas. Elas foram extremamente
profissionais e, se houve algum sucesso no empreendimento,
é em grande parte devido a elas. A esse respeito, fiz
os seguintes desenhos:
homenagem à equipe feminina da
imágica. na verdade essas personagens são
fictícias, elas não eram nada disso ! |
uma das promotoras de vendas imágica |
No final, o balanço da minha aventura editorial foi
um misto de fracasso e sucesso. O lado rum foi que nâo
conseguimos vender boa parte dos livros e amargamos um prejuízo
considerável. O lado bom é o sentido de realização
quando olho o livro - que ainda hoje curto folhar. E lembro
daqueles dias divertidos no Rio de Janeiro, vendendo livros
e jogando bola na praia.
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3D
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