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INSTITUTO
DE PERMACULTURA E ECOVILAS |
Cultivando a água
Marsha Hanzi - Instituto de
Permacultura da Bahia
Os últimos
levantamentos a nível planetário apontam ao perigo da escassez de água.
De
toda a água existente no planeta, a maior parte é salgada ou congelada no gelo
polar. A pouca água doce de superfície ainda disponível está sendo poluída
desastrosamente. Os rios estão secando ou sendo sugados por sistemas de
irrigação, com o Nordeste do Brasil ameaçado a enfrentar o dilema: plantar ou
beber... Já
profetiza-se que as próximas guerras serão sobre o controle da
água.
Embora o público saiba que há uma relação direta entre o desmatamento e
a falta de água, poucos sabem que é possível convidar a água de volta à
propriedade rural, através de técnicas de manejo da vegetação. Podemos fazer
brotar nascentes que secaram , e limpar riachos turvos. Dispondo de mais de 300
hectares, podemos até influir no regime de chuvas.
Exige esforço , sim, mas
contamos com a ajuda de uma aliada poderosa: a Natureza. Observamos que a
Natureza sempre evolui em direção à vida, e isto inclui a re-umidificação da
paisagem. Onde há vegetação, há água. E qual será o ato mais nobre de cidadania
do que aumentar a águadisponível?
A RELAÇÃO
ENTRE A VEGETAÇÃO E A ÁGUA
1) A vegetação é composta de água! Mas de 90 por cento da estrutura da planta ( e do nosso corpo) é feita de água. Uma floresta (uma caatinga) representa uma enorme reserva de água.
2) Um dos sub-produtos da decomposição da matéria orgânica é a água. Um sistema rico em biomassa em constante decomposição ( cobertura morta) é constantemente alimentado com água.
3) À noite, a folha
coleta gotinhas de umidade do ar, e a recicla para o sistema ( criando o
sereno). Este pode ser uma fonte importante de umidade para o semi-árido. Uma
árvore frondosa pode ter meio-hectare de superfície de folhas, todas coletando
água. Quando a mata é tombada para plantar culturas baixas ( de
pouca área
foliar), perde-se uma grande fonte de umidade. Já foi provado que sai mais água
pelo Rio Amazona que cai em forma de chuva. O restante vem por
condensação.
4) Quando uma corrente de ar úmido bate numa floresta ( como acontece no litoral ), esta barreira comprime o ar, tornando-o mais pesado, facilitando a formação de chuva. Se os topos da serra do mar são desmatados ( para, por exemplo, formar pastos), perde-se este efeito, o ciclo das chuvas é quebrado , prejudicando o interior do estado.
5) O húmus formado
por detritos é uma esponja, com grande capacidade de absorver água. 10 cm de
húmus pode armazenar 3cm de água. Uma floresta esconde um lago raso no seu
pé.
6) As raízes das plantas absorvem a água, não deixando esta escapar
do sistema. Esta água é reciclada pela seiva das plantas e transpirada ,
formando novas nuvens. Merece apontar que esta água transpirada é uma solução
rica em produtos de metabolismo e padrões energéticos, totalmente diferente da
água evaporada de um solo nu.
7) A vegetação rebaixa a temperatura do solo por volta de 8 graus, diminuindo a taxa de evaporação. Esta temperatura mais baixa também faz com que as nuvens desçam, facilitando a chegada das chuvas ( o ar quente sobe, o ar frio desce).
8) A árvore cria água por um processo químico! O produto do metabolismo, em presença da luz solar, é o oxigênio. O produto deste mesmo metabolismo, na escuridão do solo, é o hidrogênio. A chuva leva o oxigênio do ar para dentro do solo, onde encontra o hidrogênio-e uma nova molécula de água é criada.
ESTRATÉGIAS
PARA RECUPERAR A ÁGUA
1. Reflorestamento dos topos de todas as serras. Pelo efeito de comprimento do ar e condensação, pode reciclar água para os campos abaixo. Eu já vi, no Sertão, um topo florestado dentro da nuvem enquanto um pasto vizinho, da mesma altura, estava descoberto.
2. Matas ciliares ( na beira dos rios e riachos). Estas fazem com que a água chegue gradativamente ao longo do ano, evitando enchentes. Estas matas podem ser produtivas em frutas ( como Açai).
3. Reflorestamento de boqueirões ( cabeça de vale). São lugares onde junta-se as águas e pode fazer brotar uma fonte ou um riacho.
4. Quebra-ventos para diminuir a evaporação-vital no Sertão, talvez a estratégia mais importante.
5. Plantio de policulturas, incluindo elementos arbóreos e muita massa orgânica . O campo nunca se desnuda, e toda a água se conserva.
6. Quebrar pastos grandes em piquetes menores rodeados por faixas forrageiras.
7. Reciclar toda a água servida em vez de jogá-la diretamente no rio. Isto se faz facilmente com filtros biológicos , feitos de canteiros de plantas aquáticas. 100 litros de água utilizados 3 vezes significam 300 litros de água.
8. Nas cidades, captar a água dos telhados. Em Salvador, uma casa de 100 metros quadrados captaria aproximadamente 170,000 litros de água por ano. Mesmo no Sertão, esta casa captaria de 30,000 a 60,000 litros, conforme o ano. Com isto as cidades terão menos necessidade de esgotar os rios.
É claro que estas
estratégias, além de melhorar o clima e aumentar a disponibilidade da água,
melhoram as condições do campo, tornando-os mais produtivos. Assim um ato de
cidadania reverte também em benefício direto para o
agricultor.
Marsha
Hanzi
hanzibra@svn.com.br