Uma publicação da tecepe. Ano 2 número 8.
Um dos principais motivos que levaram a indústria a fazer um acordo, após décadas de lutas judiciais, foi o vazamento de documentos das próprias empresas, onde fica evidente que elas sabiam que a nicotina viciava e usaram esta informação para formular estratégias de marketing para iniciar jovens no hábito (ou vício) de fumar.
Por outros relatórios fica claro que a indústria tem tecnologia para controlar, ou até remover, a nicotina nos cigarros. Mas a carga de nicotina é cuidadosamente dosada. Um destes relatórios qualifica o produto na categoria de “nicotine-delivery device”.
Certamente um comportamento moralmente questionável. Esta é uma das estratégias usada por traficantes de drogas. Isto colocou as empresas de cigarro numa posição delicada. Com a pressão, a indústria cedeu e agora procura pagar todo mundo de uma vez. Estima-se que atualmente as empresas de cigarros gastem $600 milhões por ano em indenizações.
Também segundo o acordo, as empresas de cigarro reconhecem que o cigarro é uma droga viciante. Ficam restritas a propaganda na TV, na próximidade de escolas e o patrocínio de competições esportivas (vai sobrar pro pessoal da fórmula 1). E aceitam o controle pela FDA.
Uma vitória para os ativistas, que conseguiram o pagamento da maior indenização da história. O principal objetivo deste grupo, o de manter o marketing do fumo longe das crianças, parece ter sido atingido. Mas nem todos estão satisfeitos. Para alguns, a saúde pública sempre sofre em acordos como este.
No passado, por exemplo, as empresas de tabaco aceitaram colocar avisos de que o cigarro faz mal em suas mensagens publicitárias. No entanto, esses avisos mostraram ter pouca eficácia na redução do consumo. Visualmente pobres, eles tendem a desaparecer no ruído de fundo da televisão, ao contrário das belas e insinuantes propagandas de cigarro. Mais ainda, estes avisos são uma faca de dois gumes, pois isentam as empresas de parte da responsabilidade. Uma vez informado dos males do cigarro, o fumante não pode alegar ignorância. O cigarro passa a ser mais uma atividade de risco, como asa delta, alpinismo ou sexo anônimo sem preservativo. Isto dificulta ações legais contra as empresas de cigarros.
Outro temor dos ativistas é que o Congresso seja excessivamente tolerante na formulação das leis de limitação da propaganda de cigarros e no alcance do controle pela FDA. No passado, dizem eles, o Congresso sempre favoreceu a indústria com suas leis.
Os políticos, por sua vez, não estão exatamente satisfeitos. É que sua aplicação depende da passagem de algumas leis no Congresso. Os deputados estão desconfortáveis em ter que ratificar um acordo do qual eles praticamente não participaram.
Embora a justiça brasileira tenha o costume estranho de indenizar pelo valor dos salários que o falecido receberia em sua vida ativa - ignorando perdas afetivas, estresse, sofrimento e outras perdas subjetivas - não parece certo que a indústria pague indenizações menores baseada apenas na benevolência da nossa justiça.
Existe ainda a questão outros grupos associados a empresas de tabaco, que também tem culpa no cartório: as empresas de comunicação e de propaganda são quase sócias das empresas de cigarros, ficando com parte considerável da receita do fumo. Mas isso é uma briga para mais uns anos...
Para ter uma idéia das questões envolvidas na briga, vale dar uma lida neste documento . Ele contém fatos a respeito de um processo da indústria do cigarro contra a FDA, a agência que controla os setores de medicamentos e alimentos. Neste processo, a indústria contesta a legalidade de regulamentos referentes a propaganda de cigarros.
Também Links e informações anti-tabaco.
ofr (23/6/97)