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Uma publicação da tecepe. Ano 2 número 9.


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0900 Jogatina 2

Já escreví sobre a
jogatina (8/7/96) que está rolando no horário nobre da televisão. Agora a Folha de São Paulo (9/9/97) investigou e está denunciando as irregularidades deste tipo de jogo de azar: os sorteios pelo telefone 0900. A denúncia demorou por que a maioria dos grupos de comunicação do país está bancando o jogo: Globo, SBT, Record, Bandeirantes... (o que aconteceu com a liberdade da imprensa?).

Estava na cara que se tratava de algo legal e moralmente dúbio, mas agora a reportagem do jornal mostrou o que realmente acontece. O pretexto para o jogo é a ajuda a entidades assistenciais. Mas no final da cadeia de empresas envolvidas, pouco sobra para os necessitados. No fim, as entidades recebem algo como 5% ou menos do faturamento. Emprestam seus nomes para que espertos ganhem dinheiro.

Uma das empresas organizadoras afirmou que a parcela das entidades é muitas vezes baixa porque os custos operacionais são altos. Mas como pode ser isso, se os prêmios são doações e todas as empresas envolvidas trabalham por participação e não por preço fixo? Se o custo das propagandas da televisão fosse fixo, por exemplo, o sorteio poderia dar prejuízo. Mas tanto as emissoras de TV como a Embratel e as empresas organizadoras dos sorteios trabalham por participação. Se as percentagens são fixas, a percentagem da entidade assitenciais também deveria ser. Ou não?

Pela explicação, parece que funciona mais ou menos assim: se o sorteio dá bastante lucro, todo mundo ganha muito e a entidade beneficiária ganha um pouco. Se dá pouco lucro, todo mundo ganha algum, menos a entidade. Uma entidade chegou a receber uma conta! Mas empresas não correm nenhum risco.

Existe também a questão da honestidade do jogo. Matematicamente, um jogo é honesto quando a soma dos premios equivale ao total arrecadado. É claro que isto é um limite teórico. Na vida real existem custos, e o valor dos premios pode ser um pouco abaixo da arrecadação. No caso do 0900, o valor dos prêmios é fixo, enquanto que o valor arrecadado é variável. Mas o valor dos premios nunca passa de 10% do total arrecadado, salvo em sorteios muito mal divulgados. Somando a remuneração da entidade, chega-se a 15%. Resultado: as empresas que participam da organização ficam com 85% do bolo. Pobres necessitados!

Interessante notar que quem regulamentou este tipo de sorteio, segundo a Folha, foi o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. O próprio diretor do departamento, Sr. Nelson Lins, é quem faz a defensa das empresas operadoras do jogo. Me parece estranho que alguém deste específico departamento faça esta defesa, já que os lesados parecem ser justamente o consumidor e as entidades assistenciais.

Existe também a questão de menores jogando, o que é ilegal. E dos métodos de sorteio, feitos por obscuros programas de computador. Ou de apostas por estranhos não autorizados pelo titular do telefone. Experimente reclamar de um jogo que foi debitado em sua conta! Mesmo que não tenha jogado nada, você vai ter que pagar. Ou cortam seu telefone.

As experiências de empresas privadas operando esquemas de jogo beneficiente em nosso país são muito ruins. Primeiro foram os bingos, com as irregularidades que se viu. Agora estas do 0900. O Governo deveria evitar este tipo de regulamento. A Caixa Econômica sempre operou as loterias, sem problemas. Nem sempre a empresa privada é melhor...

É claro que as entidades pouco tem a perder. Pode se argumentar que a merrequinha que elas recebem é melhor que nada. Mas acho que elas podem conseguir dinheiro de outras formas, sem ter que se associar a este tipo de gente.

OFR 14:08 09/09/97


O Espectro é nosso !

Há anos conheci um homem, um caiçara. Na época ele tinha mais de 60 anos, e tinha passado toda a sua vida naquela mesma praia, um local isolado da "civilização". Há uns 30 anos atrás, contou, ninguém ali era dono de terra. As pessoas tinham seus quintais, em torno da casa. Mas as áreas periféricas e de encostas - a maioria naquela região - eram de quem quisesse usar. Quando alguém queria fazer uma roça, desmatava uma área e plantava. No outro ano, outra pessoa poderia estar usando a mesma área. O produto, claro, tinha dono. Mas a terra não.

Não havia estrada que chegasse lá e a economia era de subsistência: pesca e lavoura. Então, em uma certa época, alguns começaram a demarcar áreas de terra. E ele foi lento em perceber o que estava acontecendo. Quando percebeu, já era tarde, e teve que se contentar com terras mais altas e menos nobres - pelo menos para a especulação imobiliária. Foi uma mudança na economia local. Chegou a estrada e com ela os veranistas da cidade. A onda agora era vender terra.

Mas porque essa história? Ela ilustra o que está acontecendo com o espectro de freqüências eletromagnéticas. Anteriormente um recurso abundante, cada vez mais espectro está se valorizando. Tradicionalmente ele foi usado pelas empresas de rádio e televisão para transmitirem seus programas e veicularem propagandas de seus patrocinadores. Mas agora estão surgindo novos usos: os sistemas móveis de comunicações, como telefone celular e pagers.

O espectro eletromagnético está sendo considerado um dos recursos mais preciosos do futuro. Embora seja um recurso não exaurível, em cada região ele é limitado, enquanto que a demanda por serviços de comunicações sem fio deve crescer exponencialmente.

As mesmas tecnologias por trás dos novos serviços de comunicação estão tornando os velhos serviços obsoletos. Os canais de televisão, por exemplo, usam aproximadamente 6 Mhz de freqüências cada e poderiam, através do emprego de novas técnicas, usar apenas 0.8 Khz. É claro que os "donos" das concessões não estão muito inclinados a instalar tais tecnologias, pois isso representaria gastos e reduziria o seu latifúndio eletromagnético.

Tudo leva a crer que deve haver uma reestruturação das concessões de freqüências no futuro. Quando, ninguém sabe. O assunto é delicado pois afeta múltiplos interesses políticos e econômicos. Existe também a questão da compatibilidade com os atuais aparelhos de televisão. Mas o valor da modernização dos aparelhos em algum momento vai se tornar barato em comparação ao desperdício do sistema atual.

Os espaço reservado aos canais de televisão VHF vai de 54 a 88 Mhz (canais 2 a 6) e de 174 a 216 Mhz (canais 7 a 13). O UHF vai de 470 a 806 Mhz. Tem ainda as chamadas freqüências SHF, de 2500 a 2700 Mhz. Ao todo, são mais de 600 Mhz de freqüências na parte mais nobre do espectro. Freqüências mais baixas não tem capacidade de carregar grande quantidade informações. As mais altas - microondas e o infravermelho - tem uma característica direcional que as tornam indicadas para radares e comunicação com satélites. Não são adequadas, porém, para comunicação com dispositivos móveis.

Os valores são enormes: o espaço de um canal de televisão pode comportar 400 ligações de telefonia celular. Mas o mais importante é que cada freqüência pode ser reutilizada inúmeras vezes na mesma cidade, usando de transmissores de baixa potência. Aliás, é por isso que o sistema é chamado de telefonia celular. Ao invés do transmissor de 100.000 Watts da emissora de televisão, podem ser colocados milhares de transmissores de 1 Watt, em redes locais sem fio, telefones celulares, personal communication systems e inúmeros outros equipamentos que irão aparecer nos próximos anos.

O valor final dos serviços possíveis pode ir a mais de um bilhão de reais por canal de televisão em uma região metropolitana como São Paulo. Isto é muito mais do que faturam todos canais de televisão. Juntos...

Assim, remover canais de televisão vai ser um alto negócio. E quem vai ter que fazer isto é o Governo. O espectro é um patrimônio público precioso. Cabe ao Governo, administrador da coisa pública, extrair o máximo de retorno econômico para a população.

Nem todos no Governo pensam assim. A prova disso é o grande número de concessões distribuídas aos próprios deputados, senadores e simpatizantes. Para muitos parlamentares, as concessões são algo semelhante ao carro oficial ou a máquina de perfurar poços artesianos.

Obter receita dos canais vai requerer a cobrança de taxas pelo seu uso, uma idéia nova para os donos das emissoras. Até hoje, e faz mais de 50 anos, eles usam as freqüências gratuitamente. Alegam que prestam serviços gratuitos ao público, mas isto não é bem exato. O uso mais comum é para o comércio, muitas vezes de produtos de valor discutível: jogos de azar pelos telefones 0900, títulos de capitalização descapitalizantes, seitas religiosas com interesses financeiros maiores que espirituais, produtos como cigarros e bebidas, que comprovadamente prejudicam a saúde e consomem os recursos públicos na área da saúde.

Muitas emissoras estão se preparando para abocanhar ainda mais freqüências. A TVA tem mais de 15 canais SHF. O canal 21 UHF inovou, criando a TV peixe, que fica horas passando imagens de um bucólico aquário com peixinhos dourados. Claramente, uma forma de ocupação de espaço, sem reais serviços para a população.

O Governo agora criou a Agencia Nacional de Telecomunicações. A idéia é ter uma agência que opere independentemente do governante do dia, nos moldes da FCC americana. Mas mesmo assim é difícil imaginar que esta agência possa operar de maneira realmente independente. Motivo: as emissoras de televisão são as principais formadoras de opinião. Por aqui, é mais comum um político fazer lobby junto a uma emissora do que o contrário. Os políticos, lógico, sabem disso e procuram manter um relacionamento de "compadre" com as emissoras. Cobrar pelo uso do espectro seria uma afronta improvável.

Assim como o caiçara, é bom que a nova Agência conheça os princípios básicos da especulação:

 

Só esta última regra já deixaria nosso espectro praticamente vazio. Se Monteiro Lobato fosse vivo, provavelmente estaria proclamando "o espectro é nosso!".

Veja também:

Mapa do espectro de freqüências

 

14/8/97 ofr


E se o índio queimasse os garotos?

A juíza Sandra Mello mudou a acusação contra os garotos que tocaram fogo no índio Pataxó, resultando na sua morte. De acordo com o raciocínio da decisão, os rapazes fizeram uma brincadeira de mau gosto e não pretendiam a morte do índio. A mudança deve livrar os garotos de um tribunal de júri.

Só posso especular que ela pensou como mãe. Adolescentes realmente fazem coisas tolas. Inútil mandá-los para a cadeia por tanto tempo. Mas como se pode pensar que os caras rumaram para o posto, compraram álcool suficiente para uma boa fogueira, jogaram no índio e tocaram fogo, e não cogitaram que ele poderia morrer? Realmente é necessário boa vontade para produzir tal argumentação. Eu acho que eles não pensaram é que poderiam ser pegos.

A única pergunta que eu faria é: e se o índio queimasse os garotos? A decisão seria a mesma?

14/8/97 ofr


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